Título Original: Tigana (#1.1 Tigana)
Autor: Guy Gavriel Kay
Editora: Saída de Emergência
Número de Páginas: 320
Sinopse
Tigana é uma obra rara e
encantadora onde mito e magia se tornam reais e entram nas nossas
vidas. Esta é a história de uma nação oprimida que luta para ser livre
depois de cair nas mãos de conquistadores implacáveis. É a história de
um povo tão amaldiçoado pelas negras feitiçarias do rei Brandin que o
próprio nome da sua bela terra não pode ser lembrado ou pronunciado. Mas
anos após a devastação da sua capital, um pequeno grupo de
sobreviventes, liderado pelo príncipe Alessan, inicia uma cruzada
perigosa para destronar os reis despóticos que governam a Península da
Palma, numa tentativa recuperar um nome banido: Tigana. Num mundo
ricamente detalhado, onde impera a violência das paixões, este épico
sublime sobre um povo determinado em alcançar os seus sonhos mudou para
sempre as fronteiras da fantasia.
Opinião
Quando Christopher Tolkien precisou de um assistente para
editar o trabalho do pai, escolheu um estudante de Filosofia cujos pais eram
amigos da sua segunda esposa, Baillie, um jovem chamado Guy Gavriel Kay. Guy
mudou-se para Oxford em 1974 para ajudar Christopher com a edição d’O Silmarillion e durante esse processo
aprendeu bastante sobre escrita e edição e também ganhou um gosto pela
fantasia, um gosto que o levaria, após terminar a sua graduação em Direito, a
começar a escrever ficção.
Anos mais tarde, Guy publicou o seu primeiro livro, A Árvore do Verão, o início de uma
trilogia onde a influência de Tolkien era bem visível e que foi lida por
gerações de leitores, A Tapeçaria de
Fionavar. Mas, foi em 1990 que Guy Gavriel Kay encontrou o seu lugar na
Fantasia, com um livro que pela primeira vez mostrou a sua voz e estilos únicos
e que iriam marcar todos os livros que seguiram. Tigana é a obra-prima de Kay, o livro que revolucionou a Fantasia
Histórica apesar de o autor preferir dizer que os seus livros não têm um género
específico. Vencedor de dois prémios, nomeado para o Aurora, Tigana está
traduzido para dezasseis línguas e anos depois, finalmente, chega às livrarias
portuguesas.
Depois de me ter
apaixonado pela escrita de Kay em A Tapeçaria
de Fionavar e Os Leões de Al-Rassan heis
que finalmente leio o famoso Tigana
e, mais uma vez, voltei a apaixonar-me pela voz arrebatadora deste autor que,
com uma escrita de beleza ímpar, palavras onde as emoções fluem e as lendas
ganham vida, nos conta uma história de perda, de vingança e recordação que irá
prender-nos o fôlego, arrebatar-nos a alma e devastar-nos os sentimentos. Kay é
um mestre sem igual, um autor que consegue transmitir as ambiguidades e
conflitos do ser humano, um autor capaz de contar histórias sublimes que nunca
mais seremos capazes de esquecer, um autor que eleva os sentimentos nobres como
a coragem, a lealdade e a esperança a um patamar que poucos poderão um dia
alcançar.
Sendo este o primeiro volume de dois, A Lâmina na Alma é uma apresentação de um mundo onde poderemos ver
resquícios dos vários territórios italianos no tempo da Renascença, territórios
divididos por dois poderes tiranos onde o rancor tem crescido cimentado pela
recordação e saudade. Como vem sendo habitual no trabalho deste autor, são
múltiplas as culturas, crenças e sociedades representadas, com políticas,
histórias e línguas próprias, que vamos descobrindo ao longo da leitura através
de personagens ou lendas tal como vamos absorvendo a rivalidade entre os tiranos,
as diferenças de actuar de cada um, os ódios e revoltas que cada um cimenta, as
suas próprias histórias e as próprias rivalidades entre territórios e suas
diferenças. Como mundo fantástico, Tigana
é um regalo para qualquer leitor fã de mundos e histórias complexas pelas
suas vastas características bem desenvolvidas, pelos pormenores requintados e
pela força da sua história.
A narrativa é poderosa e sublime. Conta-nos uma lenda de
incomensurável beleza, de exílio e amor à pátria e à família, de vingança e
perda, de recordação e esquecimento que nos destrói e preenche, que marca
irrevogavelmente todo aquele que a lê, não nos deixando pensar em mais nada
senão no que se seguirá na próxima página. Existe uma tristeza nesta história
que se infiltra nas palavras e se transcende, uma tristeza que sentimos com as
personagens, que nos absorve, tal o talento do autor para transbordar
sentimentos das suas palavras. Feita de momentos únicos, predestinados que
poderão mudar tudo, esta é uma história de fatalidades, de coragem e lealdade,
tanto de ódio como de esperança, uma história feita de música e poesia que
recorda sempre tudo o que se perdeu. E de amor, pois não há sentimento que mova
mais os homens que este seja a uma mulher, ao filho, ao irmão ou à pátria.
Subtilmente, a história vai se adensando e a cada momento
torna-se mais profunda. Através de conspirações, segredos e revelações, cada
peça deste complexo puzzle vai se juntando e as ligações entre acontecimentos e
personagens começam a fazer sentido bem como a revelar facetas escondidas das
personagens, passados que levam há quem são e o que procuram de facto e actos que
nos fazem compreender melhor e trazem um maior misto de sentimentos ao leitor.
Muito ainda está por revelar e muito ainda irá acontecer até que esta complexa
tapeçaria esteja completa mas até lá não há como não nos deliciarmos com os
encontros e desencontros que irão levar as personagens até ao confronto final.
Como já é hábito, as personagens de Kay são ambíguas,
complexas, cheias de profundas camadas que o leitor vai conhecendo em cada
ocasião e que em todas o consegue surpreender. Poderia dizer-se que esta é uma
história de heróis e vilões mas não, esta é sim, uma história que mostra que
todos somos heróis e vilões, todos temos defeitos e qualidades, todos podemos
ser santos e pecadores. Cada personagem é eximiamente elaborada, cada uma tem a
sua aura própria, cada uma é importante. Aqui não há personagens há odiar, há
personagens a adorar, a respeitar, a admirar. Poucos escrevem personagens
assim, personagens tão reais como as palavras que as descrevem.
Tigana é
considerado uma obra-prima. E é. Um livro que mais de vinte anos depois
continua a chegar a gerações de leitores, um livro que continua a arrebatar
todos aqueles que o lêem, um livro cuja história continua a provocar
sentimentos. Falta agora o segundo volume para sabermos o fim. A espera será,
certamente, dolorosa e o final, o final será, seja ele qual for, glorioso.